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Quarta-feira, 18 de Setembro de 2024
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Mensagem do dia 07 de setembro
A história que o Brasil não contou
A história que o Brasil não contou
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Pouco ensinaram-me a escola e a sociedade sobre minha verdadeira história. Sobre minhas raízes. Minha realidade. Ao falarem da escravidão, ressaltaram o poder dos senhores e a submissão do negro.

Falaram-me das correntes, do tronco, da chibata, dos porões... Não me falaram da resistência, das lutas, da organização. Deixaram margem para pensar que o negro era um idiota, que aceitava tudo calado. Ao falarem das plantações de café, dos canaviais, das minas e dos casarões, não me falaram da sua força, sua inteligência.

Da sua capacidade de fazer um país com a força de seus braços. Chegaram a afirmar que o negro era preguiçoso. Só trabalhava para não apanhar. Ao falarem de sua identidade, contaram-me que chegavam aos montes, em navios negreiros, marcados a ferro como animais. Vendidos em feiras como mercadoria. Não me falaram que o negro tinha alma, sangue, raízes. Ao falarem de sua fé, diziam apenas que eram supersticiosos, feiticeiros, cultuadores de deuses pagãos.

Não me falaram de sua religião. Sua fidelidade a um Deus Vivo. Cultuado com danças, cantos, gestos e rituais. Não me falaram da alegria do negro ante o reconhecimento, que podiam contar com o Senhor de todas as histórias. Ao falarem da beleza, definiram-na assim: ter traços finos, cabelos lisos e pele clara era ser bonito.

Ter traços fortes, cabelos anelados, pele escura era ser feio. Não me falaram que o negro tem seu cheiro, sua característica. Sua ginga, um olhar. Um brilho especial. Que o negro de cabeça erguida encanta! Que o negro é lindo! Ao falarem da sua cultura... Aí, eu tenho vontade de chorar! Nada me falaram.

Fizeram-me pensar que o negro era uma folha atirada ao vento. Não me falaram que o negro tem um sangue diferente. Sangue quente, nobre, forte, bonito. O regente de seu corpo, de sua cultura. Uma energia que enobrece sua arte. Que faz vibrar. Que faz cantar. Que faz dançar. Que faz surgir sons especiais de objetos simples e banais.

Falaram-me muito da princesa Isabel. Pouco, ou nada, de Zumbi dos Palmares. Fizeram-me sentir tristeza por ser negra. Fizeram-me sentir vergonha por ser negra. Em meu corpo moreno, mulato, pardo... Existe a pigmentação que define minha origem.

Em minha alma vibrante, meu espírito silencioso, minhas veias vigorosas, corre sangue de meus ancestrais. Sangue africano. Sangue baiano. Sangue negro. A pigmentação que define minha raça! Quinhentos anos de Brasil. Quinhentos anos de resistência. Axé!

Cida Araújo