Pouco ensinaram-me a escola e a sociedade sobre minha verdadeira história.
Sobre minhas raízes.
Minha realidade.
Ao falarem da escravidão, ressaltaram o poder dos senhores e a submissão do negro.
Falaram-me das correntes, do tronco, da chibata, dos porões...
Não me falaram da resistência, das lutas, da organização.
Deixaram margem para pensar que o negro era um idiota,
que aceitava tudo calado.
Ao falarem das plantações de café, dos canaviais, das minas e dos casarões, não me falaram da sua força, sua inteligência.
Da sua capacidade de fazer um país com a força de seus braços.
Chegaram a afirmar que o negro era preguiçoso.
Só trabalhava para não apanhar.
Ao falarem de sua identidade, contaram-me que chegavam aos montes, em navios negreiros, marcados a ferro como animais.
Vendidos em feiras como mercadoria. Não me falaram que o negro tinha alma, sangue, raízes. Ao falarem de sua fé, diziam apenas que eram supersticiosos, feiticeiros, cultuadores de deuses pagãos.
Não me falaram de sua religião.
Sua fidelidade a um Deus Vivo.
Cultuado com danças, cantos, gestos e rituais.
Não me falaram da alegria do negro ante o reconhecimento,
que podiam contar com o Senhor de todas as histórias.
Ao falarem da beleza, definiram-na assim: ter traços finos,
cabelos lisos e pele clara era ser bonito.
Ter traços fortes, cabelos anelados, pele escura era ser feio. Não me falaram que o negro tem seu cheiro, sua característica.
Sua ginga, um olhar.
Um brilho especial.
Que o negro de cabeça erguida encanta! Que o negro é lindo!
Ao falarem da sua cultura...
Aí, eu tenho vontade de chorar!
Nada me falaram.
Fizeram-me pensar que o negro era uma folha atirada ao vento.
Não me falaram que o negro tem um sangue diferente.
Sangue quente, nobre, forte, bonito.
O regente de seu corpo, de sua cultura.
Uma energia que enobrece sua arte.
Que faz vibrar.
Que faz cantar.
Que faz dançar.
Que faz surgir sons especiais de objetos simples e banais.
Falaram-me muito da princesa Isabel.
Pouco, ou nada, de Zumbi dos Palmares.
Fizeram-me sentir tristeza por ser negra.
Fizeram-me sentir vergonha por ser negra.
Em meu corpo moreno, mulato, pardo...
Existe a pigmentação que define minha origem.
Em minha alma vibrante,
meu espírito silencioso,
minhas veias vigorosas,
corre sangue de meus ancestrais.
Sangue africano.
Sangue baiano.
Sangue negro.
A pigmentação que define minha raça!
Quinhentos anos de Brasil.
Quinhentos anos de resistência. Axé!
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