“Somente a morte do Filho de Deus poderia modificar radicalmente a nossa morte. Depois que o Cristo morreu pela salvação do mundo, a vida de Deus e a sua glória entraram definitivamente no mundo. Não existe no universo acontecimento mais importante do que esta morte” (K. Rahner). A partir deste acontecimento único, a morte mudou de nome e passou a pertencer ao reino da vida. A morte de Cristo mudou para sempre o nosso destino. Hoje sabemos de que lado está a vitória.
Apesar de tudo, não podemos esquecer que a vida de Cristo não foi uma alegre caminhada para a morte, como às vezes podemos imaginar ingenuamente. Cristo amava a vida. Sua paixão pela vida o fazia decidido, envolvido e entregue a esta causa que se tornou maior que a sua própria vida. O Reino da vida era seu horizonte envolvente.
Jesus queria colocar sua vida por inteiro ao serviço de todos. Na metade de sua vida pública, porém, começa prever a própria morte, noticiando-a aos seus discípulos (Mc 8,31). Vemo-lo como uma vítima da intolerância, um sacrificado por um falaz cálculo político.
Em Jesus travou-se a luta entre o desejo de um batismo de sangue heróico, decorrente de sua vocação de servo de Deus (Lc 12,50; Mc 10,38) e seu amor à vida e aos seus (Mc 14,3-9; Jo 11,53; 12-27-28). Jesus não esconde sua crise mais angustiante. A cena do Getsêmani está muito distante da apatia dos estoicos, assemelhando-se ao desespero de Jó (Mt 26,36ss; Lc 22,39ss). O grito da cruz expressa o sentimento terrível de abandono do Pai e a sensação de frustração em relação à obra de amor que havia realizado na terra.
Observando a morte de Jesus apenas como um fato humano e imediato, tem-se a impressão de que a lei venceu o Evangelho e a “justiça melhor” não deu em nada. Para os apóstolos a morte de Jesus representou a morte de suas esperanças. O jeito mesmo é voltar a Emaús.
Aquele grupo de homens que havia deixado tudo para seguir Jesus, já não era mais capaz de nada, a não ser esconder-se ou fugir. Parecia mais morto do que Jesus. Mas nem tudo terminou com sua morte. A incrível força do Evangelho voltou a surtir a partir da própria morte de Jesus. O credo de sua comunidade é este: o Crucificado vive para sempre junto de Deus, sinal de esperança para nós.
Todo este drama não basta para fazer de Cristo um Salvador. O que resgata a sua morte e a transfigura para ele e para nós, é a incontida força do amor com que fez o dom da própria vida. É neste amor mais forte do que a morte que ele nos liberta da violência e do ódio, do fanatismo e do medo, do orgulho e da autossuficiência, para tornar-nos como ele disponíveis a Deus e aos outros, capazes de amar e perdoar, de ter confiança e reconstruir, de crer no ser humano, ultrapassando as aparências e as deformações.
Concluímos esta reflexão evocando as palavras do Apóstolo Pedro: “... Reconheçam de coração o Cristo como Senhor, estando sempre prontos a dar a razão de sua esperança a todo aquele que pede a vocês...” (1Pd 3,15).