Há lições de vida que nos chegam de onde menos esperamos. Há riquezas envoltas em aparentes misérias. Há bondades onde os medos criam distâncias. Há belezas em humanos maltrapilhos e em semblantes desfigurados. Existe também satisfação de viver onde há cenários aparentemente desconfortáveis e desprotegidos. Existem mistérios, também onde a maioria desvia o olhar e rejeita dar atenção.
Num local próximo a uma igreja de Porto Alegre, há muitos anos, mora um senhor à beira de uma rua movimentada, embaixo da marquise de uma farmácia. Com chuva ou sol, noite e dia, lá está o nosso irmão, sempre contente e de bem com a vida. Assistentes sociais tentaram oferecer-lhe um local mais confortável, mas nunca aceitou.
Conversando com moradores vizinhos, todos são unânimes em dizer que este morador de rua é diferente. É de paz e sempre amigo de todos. Uma pessoa lhe garante alimento, outros, proteção em tempo de chuva, enfim é alguém que está bem, mesmo em situação que nós achamos ser das piores.
Num destes dias, passei pelo morador e o vi sentado numa caixa e em sua frente estavam duas cadeiras. Chamou-me atenção este cenário diferente do comum. Ao retornar, como sempre, o vi alegre e tranquilo. Então encorajei-me a perguntar qual era o motivo dele estar sentado na caixa e ter em sua frente duas cadeiras vazias.
No momento imaginei que ele nada me responderia, mas, de imediato disse-me que as cadeiras não estavam vazias. Eu as vi assim, mas ele não. Afirmou que numa cadeira estava sentado o santo dele e na outra, a cada momento, ele imaginava estar sentado um amigo seu. E concluía: “Eu nunca estou só! O meu santo é Santo Antônio, porque meu nome é Antônio. Ele nunca me deixa só. Está sempre ao meu lado e eu não deixo ninguém sentar na cadeira dele. Por aqui todos são meus amigos. Então eu imagino que a cada hora venha um amigo me visitar e falar comigo!”
Imaginei que seria ridículo questionar suas convicções ou, pior ainda, manifestar qualquer desprezo. Conversamos mais um pouco e logo saí para meus outros compromissos. A resposta explicativa deste morador de rua, deixou-me inquieto e fez-me pensar. Em poucos minutos conseguiu testemunhar uma significativa lição de fé e humanidade.
Do que vi e ouvi, tiro algumas lições que me ajudam. O imprevisível pode nos oferecer boas surpresas que o previsto não oferece. “Deus não está longe de cada um de nós, nele vivemos, nos movemos e existimos” (At 17,27b-28). Cristo louva e bendiz ao Pai que revela seus segredos aos simples e pequeninos e não aos que se dizem sábios e entendidos. A linguagem simbólica, no caso das duas cadeiras, é apelo de humanização e um recurso de fé para a fé e a cordialidade.