Há fatos que deixam marcas na vida da gente, mesmo que não pareçam tão relevantes. Passam os anos e vão se tornando parte de nossos arquivos mentais e cordiais, a tal ponto de serem lembrados com carinho e positividade. Vou situar um deles para entender melhor o que afirmei.
Quando adolescente, nos três primeiros anos da década de 1960, estudava no seminário Nossa Senhora de Fátima em Ipê. Sendo natural do município de Passo Fundo, a cada ano passava por Lagoa Vermelha e precisava aguardar um pouco na rodoviária para fazer baldeação, tanto na vinda, quanto na ida. Nesta rodoviária, chamava-me atenção um mendigo, tocador de gaita, que lá vivia e alegrava os passageiros, mas também contava com a esmola para sobreviver.
Nos três anos que por lá passei, via o mesmo mendigo, com a mesma gaita e o mesmo chapéu tocando e cantando a mesma canção, com o refrão: “De hoje em diante vou modificar o meu modo de vida!” No primeiro ano que ouvi, achei novidade, no segundo ano, ao ouvir a mesma canção, julguei que ele não tinha outro repertório. No terceiro ano, novamente repetia o que há três anos ouvia.
Como curioso adolescente, fui levar uma moeda, com a intenção de falar com o dito mendigo e perguntar por que ele não mudava o repertório. Minha curiosidade não era apenas saber sobre o repertório. O que desejava mesmo era saber por que ele não mudava de vida, já que estava sempre repetindo: “De hoje em diante vou modificar o meu modo de vida...”
Por surpresa, à minha curiosa pergunta, o mendigo respondeu que nunca perdera a esperança. “Não sei quando, mas sei que o meu modo de vida vai mudar e vai mudar prá melhor”.
Há muitos anos não passo por aquela rodoviária. Nunca mais vi o gaiteiro mendigo. Não sei se conseguiu modificar o seu modo de vida; se conseguiu estudar, ou ser promovido para algum cargo público; se teve a sorte de um bom emprego, ou se ganhou a loteria. Nunca mais ouvi o mendigo cantar, nem o vi pedir esmolas com seu velho chapéu. Onde está e como está? Não sei! Possivelmente já tenha morrido. Então mudou para melhor?
Cada vida humana é um mistério envolvido no amor de Deus. Deus não quer mendigos, mas ama os mendigos que assim se tornam, de tantos modos e por tantas causas. Jesus Cristo, viu e ouviu um cego mendigo que o reconheceu por ouvir os outros dizerem que estava passando. Gritou para recuperar a visão e jogou fora seu manto, sua única segurança, para seguir Jesus. Deste dia em diante modificou totalmente o seu modo de vida.
A esperança do mendigo gaiteiro, que não sabia quando iria mudar, concretizou-se? Imagino que sim. Mas se a Irmã morte o acolheu, certamente mudou para melhor, pois então viverá onde não há mais dor, nem lágrimas, nem gemidos, mas somente vida e amor. Que ninguém roube a nossa esperança e nem roubemos as esperanças de ninguém. Bom seria que pudéssemos repetir sempre: “De hoje em diante vou modificar o meu modo de vida!” Porém, para melhor.