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Sexta-feira, 27 de Setembro de 2024
Paulinas - A comunicação a serviço da vida
Mensagem do dia 27 de setembro
Outro jeito de ouvir a Palavra
Outro jeito de ouvir a Palavra
Pixabay

Existem pessoas que conhecemos por ver repetidas vezes, por saudações formais e até amistosas ou por ouvir falar. Mas o tempo pode ir se encarregando de revelar surpresas agradáveis e propiciar lições de vida e santidade, quando a própria pessoa se manifesta. É o caso de uma humilde senhora de noventa anos que participa da comunidade em serviços voluntários e nas Missas do primeiro horário dominical, às 7h30.

A mencionada anciã chegou na igreja por primeira, num destes domingos do tempo comum, e mostrou-me o aparelho auditivo, afirmando estar quase surda. Dizia-me: “Embora não escute quase nada, preciso participar porque minha fé me traz até aqui! Desde que começou a diminuir a minha audição, comecei a assinar alguma revista que traz a liturgia de cada domingo. Acordo cedo e me coloco a par das três leituras do dia e leio alguns comentários. Enquanto estou lendo, sinto que Deus me fala. Então vou para a Missa com a Palavra no coração, mesmo que os ouvidos não escutem”.

Pela primeira vez me dei conta que a pessoa de fé também se torna capaz de ouvir com os olhos. A fé revitaliza e integra todo o ser da pessoa e se irradia também na convivência comunitária. Este diálogo revelador é mais uma confirmação que a pessoa envelhece conforme vive e também morre carregada da herança que sempre cultivou no terreno do seu coração.

Sempre ouvi falar que uma pessoa cega desenvolve outros sentidos, capacitando-se para enfrentar cenários que não vê com os olhos, mas sente e situa-se para poder andar com segurança. Agora a nossa vovó garante que ouve através dos olhos a fala de Deus, quando lê a sua Palavra. Realmente, mais do que os sentidos, a fé garante o olhar e a escuta do coração. Esta escuta e este olhar parecem ser os mais verdadeiros e mais amplos.

O que estamos falando, confirma a capacidade incrível do ser humano adaptar-se e administrar os limites que o percurso natural da vida vai apresentando. Quando se fecha uma porta, abrem-se janelas. Quando um caminho apresenta barreiras, outros caminhos se abrem. Se, ao natural acontecem reações e ajustes, quanto mais com a força motivadora da fé.

A fé é um recurso sobrenatural que nos é dado, para podermos ir trilhando o percurso da vida com dignidade e responsabilidade, mesmo que nossa aparência exterior traga as marcas de nossas perdas. A fé, cultivada no dia a dia da vida, vai acendendo luzes para chegarmos iluminados na travessia das sombras da morte até a plenitude da ressurreição.

É sempre mais feliz a pessoa que vai se aproximando do ocaso da vida, quando esta foi sendo tecida com os recursos vislumbrados pelo olhar e a escuta do coração. Sempre somos mais do que aquilo que os olhos veem e os ouvidos ouvem. Nosso tamanho certo, conforme a medida da fé, é sempre maior do que nossos frágeis recursos humanos nos mostram. Podemos nos ver sempre melhores do que uma possível avaliação estética exterior.

Frei Luiz Turra, ‘No Coração da Vida’, Programas Radiofônicos Vol. 03.