Por conhecer seus escritos e saber desta pessoa tão sábia e santa que foi Carlo Maria Martini (1927-2012), chamou-me atenção o lançamento de um livro seu, após a morte, intitulado: “Colti da Stupore” (Tomados pelo deslumbramento). Cardeal Martini foi uma das vozes mais amadas e seguidas, não apenas no mundo católico, mas também no mundo de todos os que procuram a Deus de coração sincero. Jesuíta, não só se aprofundou no conhecimento bíblico, mas, acima de tudo, procurou viver animado pela Palavra de Deus e, por isso, sempre se via surpreendido pelo deslumbramento das muitas formas de comunicação do amor divino.
Numa sociedade confusa e facilmente desorientada como a nossa, a Palavra de Deus é fonte de vida para todos, porque fala ao coração de cada pessoa, ajudando-a a descobrir os próprios desejos e a compreender a grandeza e a profundidade da própria existência. O Cristianismo é para nós oportunidade de contínua descoberta e alegria.
Mal comparando, quem tem coragem de ir se envolvendo na experiência da fé cristã, é como aquela criança que, pela primeira vez, fixa seus olhos nas torrentes de um riacho onde os peixes e as aves aquáticas desfilam com sua beleza e encantamento. A autenticidade da fé, animada pela Palavra de Deus, é capaz de transformar o olhar humano diante da realidade que nos cerca. Nossa existência humana desprovida de fé, vai criando ao nosso redor a opacidade, a frieza e a indiferença.
Nas biografias de São Francisco, de modos diferentes, registra-se que até os vinte e cinco anos seu olhar estava voltado para dentro de seu mundo pessoal, de suas vaidades e aventuras. Passava diante das mais encantadoras paisagens e nenhuma beleza conseguia perceber; utilizava a água e nada mais sentia a não ser o conforto para si; corria com seu cavalo elegante à luz do sol e na claridade da lua; servia-se das estrelas para enfeitar suas festas juvenis.
Aos vinte e cinco anos começou a mudar a raiz de seu olhar. Antes imaginava ter luz própria e sua vida ia se tornando obscura. Quando acolheu a “luz da luz” e por ela se deixou iluminar, tudo ao seu redor começou a provocar a surpresa do encantamento. O Cântico das Criaturas, além de ser um dos mais elegantes poemas da humanidade, registrou a mais sincera confissão de um olhar convertido.
Surpreendido pelo deslumbramento, Francisco deixou escrito no seu testamento: “... quando estava nos pecados, para mim era amargo demais VER leprosos!... Mas o próprio Senhor levou-me para o meio deles, e eu pratiquei a misericórdia com eles... aquilo que me parecia amargo tinha sido transformado em doçura para minha alma e meu corpo”.
Voltando a evocar a figura do Cardeal Martini, no final de sua vida, provado pela doença já não conseguia mais pronunciar suas homilias com desenvoltura. Nas últimas, apenas citava algumas passagens bíblicas. Assim testemunhava que, mesmo se a voz humana perde o vigor até a quietude, é só a Palavra de Deus que pode explicar-se por si e nos surpreender além de qualquer situação ou tempo.