Existe um modo de falar que pode incorrer no risco de ser mal-entendido. Um deles é o que aparece no título acima: “Tempo de medicina, mais do que doutrina”. Trata-se aqui da preocupação da Igreja de nossos tempos. Sem deixar o cuidado indispensável pela doutrina, hoje precisamos investir incansavelmente na medicina. Mas, qual medicina?
No dia 11 de outubro de 1962, o então Papa São João XXIII, abrindo o Concílio Vaticano II, deixou bem claro que a maior preocupação do momento e do futuro da Igreja não era tanto com a doutrina, pois esta já estava estabelecida e bastante conhecida. Assim se pronunciou: A Igreja “resistiu aos erros de todas as épocas e com frequência também os condenou, em certas ocasiões até com bastante severidade. Hoje, pelo contrário, a esposa de Jesus Cristo prefere empregar a medicina da misericórdia, antes de empunhar a arma da severidade”.
Não apenas no discurso de abertura, mas todo o Concílio Vaticano II, procurou acentuar uma pastoral da Igreja atenta às feridas da humanidade e a necessária pastoral da compaixão e da misericórdia. Há uma comprovação que brota da realidade e que afirma ser o sofrimento no mundo o argumento de maior peso do ateísmo moderno. Portanto, a atenção e preocupação pela medicina, mais do que a doutrina, certamente será uma grande porta que se abre para o diálogo da nova evangelização.
Significativa foi a entrevista feita na revista italiana La Civiltá Cattolica pelo Padre Spadaro ao Papa Francisco, em 2013. A uma das perguntas sobre suas preocupações pastorais respondia: “Vejo com clareza de que aquilo que a Igreja mais precisa, hoje, é a capacidade de curar as feridas e de aquecer os corações dos fiéis pela proximidade. Vejo a Igreja como um hospital de campanha depois de uma batalha. É inútil perguntar a um ferido grave se tem o colesterol ou o açúcar altos. Devem curar as suas feridas, depois procurar falar de todo o resto. Curar as feridas... Curar as feridas... É necessário começar de baixo”.
Nesta afirmação da necessidade de começar de baixo vem à lembrança a Parábola do Samaritano que, em atitude diversa à do Levita e do Sacerdote, que se colocavam acima, inclinou-se ao chão para socorrer o caído à beira do caminho. Curar feridas das multidões que experimentam a dura realidade das periferias existenciais e sociais é, sem dúvida, o jeito certo de corresponder ao discipulado daquele Mestre que veio, não para ser servido, mas para servir; sendo rico se fez pobre; tornou-se pecado para nos redimir; veio para que todos tenham vida e vida em abundância.
Uma postura humana da Igreja compassiva e misericordiosa, certamente a tornará mais divina e mais favorável à boa acolhida do Evangelho da vida. Em tempos de evidentes evoluções dos meios, precisamos nos aproximar de forma humana no que há de mais humano e divino que é o amor.